Sobre a poesia de Paulo Aires

“A poesia de Paulo é “palabra em la tierra”, que fala à mente, ao coração, à comunidade. Porque é de chão e de corpo, de rua e de sonho, de esquina e de mundo.”
(Pedro Casaldáliga – in Prefácio de Cantigas de Resistência)


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“Somos de um lugar que ainda precisa ser contado. Onde ainda não se deu nome a todas as coisas. Por isso o poeta precisa ser os olhos que percebem e a mão que escreve. Esse “inventário” é indispensável para compor o mosaico da nossa fisionomia. Que as “Cantigas de Resistência” sejam, aos olhos do leitor, uma pedra na composição desse mosaico.” (Pedro Tierra)

A GEOGRAFIA DOS SONHOS

Os sonhos, essa matéria contraditória do possível e do intocável, essa oficina de sedução e queda, esse vento azul a nos seguir feito um cão selvagem, uma espécie de cão sem pluma, para recordar João Cabral de Melo Neto, o poeta da razão. Sonhar dormindo, sonhar acordado, eis um rio interminável de busca, de conquista e de perda. Às vezes, uma linha quase indivisível separa o sonho da realidade. Para o escritor Franz Kafka nem o sonho nem o despertar são verdadeiros, porque ele sempre se via metido nessa teia de contentamento e desespero. Kafka chega a dizer que num sonho pede à bailarina Eduardowa, amante da música, que dançasse para ele, e ela o atende – um momento mágico, de fascinante celebração da beleza humana.
Sonhos são mais que sonhos, essa mercadoria camaleônica, esse capricho de deuses desconhecidos. “Sonhos, sonhos são”, assim se chama uma belíssima canção de Chico Buarque, de onde recorto: “Em Macau, Maputo, Meca, Bogotá/ Que sonho é esse de que não se sai/ E em que se vai trocando as pernas/ E se cai e se levanta noutro sonho.” Os sonhos nos conferem esse permanente estado de viagem imaginária, de vôo poeticamente absurdo e por isso mesmo arrebatador - enigmática geografia inscrita na tábua do nosso coração de peregrinos errantes.
Muitos somos os que sonhamos com a pessoa amada ou com uma grande amizade, com um reencontro mesmo que fortuito, para mitigar os rigores da solidão ou da saudade sorrateira e persistente. Por vezes, silenciamos, firmamos o olhar longínquo e abandonamos a realidade que nos circunda e entregamo-nos à tarefa de sonhar. E sonhamos e sonhamos qual bichos famintos de outra realidade, carentes de um horizonte menos doloroso para a condição humana. Acordamos do devaneio, bom ou ruim, e vemos que todo e qualquer sonho sem ação não passa de uma fera sem garras, sem dentes, sem cartografia de certos caminhos.
Há aquela outra natureza de sonho, aquele forte chamado interior convertido num ideal de vida. Um sonho humanitário, um sonho de vida verdadeira, um sonho de paz e justiça social, um sonho de amor e solidariedade, um grande sonho para a vida inteira como uma tocha que não se apaga e nos arrasta e nos faz crer que um mundo melhor é possível.
Paulo Aires